JOSÉ E O MISTÉRIO NA VIDA DE MARIA

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*IV Domingo do Advento Ano “A”*
*22 de Dezembro de 2013*

*Texto de Leitura: Mt 1,18-25*

*18A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em
casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação
do Espírito Santo. 19José, seu marido, era justo e, não querendo
denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em segredo. 20Enquanto José pensava
nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José,
Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela
concebeu pela ação do Espírito Santo. 21Ela dará à luz um filho, e tu lhe
darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo de seus pecados”.
22Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo
profeta: 23“Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será
chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está conosco”. 24Quando
acordou, José fez como o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa.*
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No Evangelho de Mateus não se relata a Anunciação do Anjo a Maria,
passagem que encontramos no Evangelho de Lucas (Lc 1,26-38). Lucas destaca
mais a figura de Maria e a de José é silenciada. Se Lucas destaca mais às
perguntas de Maria, ao contrário em Mateus se destaca mais às “perguntas”
de José. Por isso, poderíamos intitular o Evangelho de hoje: “O Anunciação
do Anjo a José”.

Vamos ler este texto dentro do relato da genealogia de Jesus Cristo (Mt
1,1-17). A palavra “gerar” biblicamente significa transmitir não apenas o
próprio ser, mas também a própria maneira de ser e comportar-se. O filho é
imagem do seu pai. Por isso, a genealogia se interrompe bruscamente no
final(na genealogia há um padrão fixo onde se diz fulano era o pai de… E
isso é repetido através de três conjuntos de catorze gerações). Quando
chega-se na linha final, a fórmula muda: não mais “Jacó era o pai de José,
e José era o pai de Jesus, chamado o Cristo”, mas “ Jacó era o pai de José,
o marido de Maria, de quem nasceu Jesus, chamado Cristo” (Mt 1,16). Isto
quer nos dizer que José não é pai natural de Jesus, mas apenas legal. A
Jesus pertence toda a tradição anterior, mas ele não é imagem de José. O
Messias/Ungido não é produto da história, mas a novidade nela.

Embora se mencione várias vezes no Evangelho de Mateus mais do que nos
outros Evangelhos juntos de que Jesus é o filho de Davi, mas Mateus deixa
claro (Mt 22,41-46) que Jesus é mais do que o filho de Davi. Ele é
decisivamente, por uma revelação divina, o Filho de Deus (Mt
3,17;16,16s;17,5). Coerentemente, se a genealogia começa em Mt 1,1 dizendo
a genealogia de Jesus, filho de Davi, a anunciação nos conduzirá a um fim
em Mt 1,23 dizendo que Jesus é Emanuel, Deus conosco.

O texto começa dizendo que Maria, a mãe de Jesus estava prometida em
casamento a José e que antes de viverem juntos, ela ficou grávida…”
(v.18). Maria e José já estavam comprometidos pelo casamento, mas enquanto
aguardavam o momento de casamento, eles se mantinham separados pela
tradição na época. O casamento, contratado desde cedo pelos pais, quase
sempre se realizava logo depois de puberdade; mas a moça continuava a viver
com os pais por algum tempo, depois do contrato, até que o marido fosse
capaz de sustentá-la em sua casa ou na casa de seus pais. E durante esse
período não eram permitidos as relações sexuais. Mas Maria estava grávida.
O que José podia fazer diante dessa situação?

O Evangelho apresenta José como um homem justo (v.19). Um homem justo na
Bíblia é aquele que é fiel aos mandamentos de Deus, que tem fé nos anúncios
proféticos e espera seu cumprimento. Ele, por isso, é protótipo de um
israelita verdadeiro.

Mas esse homem fiel se encontra no conflito ou no dilema de difícil
solução. Por um lado, ele é um homem fiel aos mandamentos de Deus. Por
causa disso, a lei o obriga a repudiar Maria que se encontra grávida sem
nenhuma convivência com ele. Neste sentido a lei considera Maria culpada de
adultério. Por outro lado, ele é uma pessoa que tem muito amor ao próximo.
Sabemos que o amor sempre é acima de qualquer lei. E toda a lei deve ser
direcionada para o amor. Este amor impede José de difamar Maria
publicamente, embora isto seja o direito dele pela lei. É legal, mas é
desumano e não é ético. Daí, sua decisão de repudiá-la em segredo e não
quer expô-la à vergonha pública.

Mas antes de tomar esta decisão ele entra em contato íntimo com Deus. O
Evangelho de hoje usa a palavra “sonho”. Na Bíblia o sonho é o veículo da
divina revelação (cfr. Gn 15,12;37,5 etc.). Na narrativa da infância de
Jesus em Mateus, José entra em sonho quatro vezes (Mt 1,20;2,13.19.22). É
neste momento que o Anjo do Senhor intervém. O Anjo do Senhor lhe confirma
e aclara o mistério que Maria lhe havia revelado.

O anúncio do Anjo a José (vv.20-24) segue o esquema dos relatos do AT (cf.
Jz 13) onde se anuncia o nascimento de um personagem famoso: a) o anúncio
está rodeado de sinais divinos: anjo do Senhor, sonho; b) que provocam medo
ou estupor: não tenha medo; c) o mensageiro divino anuncia qual será o nome
e a missão do menino que vai nascer: salvar o seu povo; d) dá-se um sinal
que confirma o anúncio: cumprimento das Escrituras. Lucas se serve deste
mesmo esquema para anunciar o nascimento de João (Lc 1,5-25) e de Jesus (Lc
1,26-38). A função destes anúncios é vincular a dito personagem, já desde
seu nascimento, com o projeto divino.

O pedido do Anjo para José não se divorciar de Maria é um ponto importante
no plano de Deus, não tanto por causa da reputação de Maria, mas pela
identidade de Jesus. A criança precisaria ser o “filho” de José, o filho de
Davi, cumprindo assim a promessa de Deus a Davi: “Suscitarei o teu filho
depois de ti… Farei o seu trono real durar para sempre” (2Sam 7,12s). O
Anjo destaca esse elemento essencial, dirigindo-se a José como “filho de
Davi”.

A figura de José é também muito importante neste relato e em todo o
Evangelho da infância de Mateus. O Anjo se dirige a José como “filho de
Davi” (v.20), para pedir-lhe que receba Maria e ao menino impõe-lhe o nome.
A imposição do nome (vv.21.25) é o rito através do qual José recebe Jesus
como filho. Mateus insiste neste detalhe, porque na antigüidade um menino
não passava a formar parte da descendência paterna até que havia sido
reconhecido por seu pai ou adotado.

Ao ter conhecimento do milagre da gravidez de Maria, através da Palavra do
Senhor, José não demonstra hesitação ou dificuldade e sim, faz o que lhe
ordena o Anjo do Senhor. A dúvida de José foi vencida pela obediência da
fé. Assim, José se liga com a dinastia messiânica não por razões da
genealogia, mas sobretudo pelo dinamismo da obediência de sua fé que o
impulsiona a aceitar uma missão obscura. Sem ceder à tentação do abandono,
o justo José entrou na radiante obscuridade do mistério de Deus. A partir
da fé, que o animou, a estrutura de José agiganta-se. José é o homem que se
deixa guiar por Deus e mesmo sem ter evidências, aceita colaborar na obra
da salvação como Maria.

Por isso, José é o símbolo da humanidade que acolhe a graça de Deus e que
coloca a vida acima da lei. Ele é o modelo de cristão obediente à vontade
de Deus. Ele é o modelo do homem que tem respeito diante do mistério de
Deus, operado em Maria; fidelidade a toda prova de um homem que se fia de
Deus; integridade e honradez silenciosas; vazio de si mesmo e operosidade
sem protagonismos e, sobretudo, disponibilidade absoluta, fruto da
obediência de sua fé, para a vocação de serviço e da missão que o Senhor
lhe confia: ser o pai legal de Jesus. José é um grande homem. A grandeza do
homem não consiste em querer ser algo ao lado de Deus, mas em deixar que
Deus seja grande nele. Foi isso que José fez.

Só quem está disposto à franca obediência a Deus, ouvirá Sua Palavra e
poderá colaborar em Sua obra, porquanto, só quem sabe ouvir sabe também
obedecer: quando a parte puramente humana faz silêncio (como José), tem-se
o coração aberto para ouvir e executar o querer divino.

Portanto, em José tudo é digno de admiração e imitação. É um homem justo,
temente a Deus, pronto a respeitar o mistério divino, embora
desconhecendo-lhe a dinâmica. É um homem capaz de colocar-se à escuta de
Deus nos momentos de dificuldades e de se deixar inspirar por Deus.

Por isso, vamos nos perguntar: será que temos tempo para nos colocarmos à
escuta de Deus tanto nos momentos de dificuldades como nos de alegria?

Nós vivemos numa sociedade onde as coisas acontecem com muita rapidez. O
ritmo da vida é acelerado. Levantar cedo, comer, rezar, depressa, trabalhar
e estudar sem parar. E estamos cercados de barulho. Com toda esta agitação
e barulho, temos muita dificuldade em parar e escutar a voz interior. Por
isso, os acontecimentos e as experiências passam por nós, mas não entram e
não penetram na nossa vida.

O início de uma vida equilibrada e com sentido começa com a criação de um
espaço interior, no qual a pessoa vai juntando os acontecimentos e procura
seu sentido, como José e Maria de Nazaré. Ali a pessoa toma fôlego e
repousa em Deus e pode perceber os sinais de Deus na vida e nos seus
acontecimentos.

O silêncio pode levar-nos a encontrar o nosso eixo. Onde é que eu procuro
o meu centro? Às vezes, o centro da vida de uma pessoa é o trabalho. Hoje
em dia há uma dependência exagerada do trabalho. Quando há dependência, não
existe liberdade; este valor só desabrocha no centro do ser. E o silêncio
chega quando as nossas energias começam a descansar. O silêncio nos acolhe
quando o nosso ego fica em paz e sossego. Quando não sabemos o que é
descansar, não sabemos o que é viver. O nosso ego é, na verdade, o centro
de todos os nossos desejos, lucros, possessões e domínios.

Mas a vida nunca é o que se consegue. Não é o que se tem. A vida é o que
se é. Por isso, na vida é tão importante a pessoa dar-se (como Maria e
José). Deus dá-se: na luz, no sopro de vida. Não se pode ignorar que tudo
quanto se alcança, se perde. E só o que se é, permanece.

Maria e José nos ensinam a cultivar a interioridade. Guardar as coisas no
coração, meditar e buscar sentido nos acontecimentos e preparar-se para o
que vai acontecer.

Por tudo isso, poderíamos rezar assim: Senhor Deus, dá também a nós a
força da fé de José e de Maria, a firmeza de sua esperança, o fogo de seu
amor por Ti. E quando, perdidos nos trajetos da vida, pararmos sem saber
para onde ir, concede-nos também a nós que vislumbremos nas trevas o Teu
rosto. Em meio ao estridor e à balbúrdia da nossa era tecnológica, tão
potente, mas ao mesmo tempo tão pobre e sem força, ensina-nos a distinguir
o silêncio da eternidade, e dá-nos que nele reconheçamos a tua voz, como
Maria e José e que escutemos as Tuas palavras que ainda hoje nos devolvem a
coragem: “Eu estou convosco todos os dias, até o fim do mundo porque o meu
nome é EMANUEL: Deus conosco. Amém”.

*P. Vitus Gustama,SVD*

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